Por Gisele Pecchio
LIVRO ACESSÍVEL É UM DIREITO NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Está prevista para este mês a regulamentação da lei do livro contemplando, assim, na forma de lei, o direito ao livro acessível. Pouco mais de 0,01% dos livros à venda na última Bienal tinham edições em braile, um dos vários formatos acessíveis que podem ser oferecidos ao deficiente visual. Esse é um flagrante desrespeito constitucional ao livre acesso à informação.
O IBGE, no último censo, registrou 159.823 brasileiros cegos e 2.398.471 com baixa visão que são os casos de grande dificuldade permanente de enxergar; há indicadores sobre a existência de 1 milhão de cegos e 5 milhões os brasileiros com baixa visão.
Nesta entrevista, contribuímos para dar mais visibilidade ao assunto porque falta informação sobre o livro acessível na mesma proporção que faltam livros para os excluídos da sociedade.
Plínio de Arruda Sampaio é jurista, promotor público aposentado e diretor dos jornais Correio da Cidadania e Brasil de Fato. Militante político de esquerda, foi deputado federal constituinte e está na vida pública há mais de 40 anos. Sua ética e correção inabaláveis não permitiram que continuasse militando na política no partido que ajudou a fundar, o PT. É candidato ao governo do estado de São Paulo pelo PSOL. Referência obrigatória quando o assunto é justiça e cidadania, nesta entrevista ele colabora na busca do entendimento e das soluções para esta dívida social rumo a uma sociedade mais próxima do ideal democrático que não se faz sem o livre acesso à informação.
— Qual é o papel do livro na construção da cidadania?
— Quanto mais uma pessoa sabe, mais apta está para exercer a sua cidadania. O livro é o alimento mais nutritivo do saber.
— O que o senhor acha da situação excludente de milhões de brasileiros cegos e com baixa visão?
— Vivemos numa sociedade excludente. Quem não consegue seguir o seu ritmo é excluído. Pessoas com alguma dificuldade são candidatos à exclusão, como os cegos. Faz parte da lógica da competição. Por isso, precisamos mudar essa sociedade e organizá-la sob a lógica da cooperação.
Os deficientes visuais não querem mais as instituições intermediando a sua relação com os livros nem tão pouco a doação dos mesmos. Querem comprar livros acessíveis e estão buscando acordar sobre o melhor formato para universalizar o acesso aos mesmos. Até aqui as leis foram paternalistas, retiraram a autonomia do cego não lhe permitindo sequer escolher o livro do seu gosto muito menos poder comprá-lo.
— No Brasil do Bolsa Família, como o senhor encara essa atitude?
— Na lógica da cooperação, o Estado organizaria a produção de livros, de modo que todos, inclusive os cegos, tivessem condições de comprar livros. Cuba já conseguiu isso. Lá o livro é baratíssimo.
Há um movimento internacional que defende o copyleft, que se opõe ao direito autoral tão defendido pela indústria cultural. Na informática o sistema aberto Linux deu notoriedade a esta tendência quebrando a rigidez dos sistemas fechados. O mercado reage porque não acredita na viabilidade econômica desta abertura. No Brasil, a indústria do livro não quer nem ouvir falar em livro digital ou em qualquer outro formato aberto alegando problemas com o direito autoral. As editoras alegam que a venda de um livro em formato digital a um deficiente visual poderá desencadear a pirataria. De acordo com a lei todos são inocentes até que se prove o contrário. Mas no caso das pessoas com deficiência visual as leis são interpretadas ao contrário...
— Qual é a sua opinião sobre essa queda de braço?
— Proteção à propriedade intelectual é uma balela do capitalismo.
— O senhor é um intelectual com vasta experiência internacional; a luz dos melhores exemplos apresentados em outros países, qual é o modelo mais democrático e inclusivo que já conheceu e que melhor se aproxima do ideal de informação como um direito de todos?— Apesar de todas as dificuldades decorrentes do bloqueio norte-americano, Cuba é o país em que as pessoas pobres conseguiram o melhor padrão de vida. [comparado com os povos latino-americanos]
Escritores e profissionais da Educação discursam constantemente sobre a necessidade de estimular nossas crianças para o hábito da leitura. Porém, a literatura para crianças cegas é quase inexistente. Se as crianças cegas são igualmente cidadãs, então elas têm o mesmo direito à leitura e à fartura de títulos que as demais crianças.
— Qual é a contribuição que o senhor daria para um contexto social mais justo e igualitário nesta questão do acesso ao livro?
— Não sabia que não há muitos livros para crianças cegas. Que absurdo! Não tenho competência para suprir essa falha, mas vou escrever sobre isso, na esperança de sensibilizar os escritores de livros infantis para que eles entrem nesse campo.
Tão ruim como entrar numa livraria e não encontrar o livro acessível para comprar é encontrar o livro e não ter dinheiro para comprar. O governo reduziu o imposto para baixar o preço mas o consumidor ainda não se beneficiou da medida. O brasileiro continua pagando mais caro pelos livros do que o norte-americano. Além disso, faltam bibliotecas e livros onde mora a maioria pobre excluída do consumo.
— Quando, afinal, poderemos nos fartar num banquete de livros?
— No dia em que o Brasil se tornar socialista.
Haverá um banquete onde serão servidos livros na entrada, no prato principal e na sobremesa. Cada convidado terá que levar três livros para três convidados. Ao convidado Plínio Sampaio é pedido entregar um livro ao presidente Lula, para um menino de sete anos que é cego [em formato acessível, é claro] e para uma terceira pessoa que o convidado levará consigo ao banquete.
— Quem o senhor levará consigo e quais livros entregará para cada um?— Para o Lula, a biografia do Mandela [Nelson Mandela, líder nacionalista e estadista sul-africano]; para o menino, o Sítio do Pica-Pau Amarelo; eu levaria comigo a Heloísa Helena e daria para ela o livro “Pentimento”, de Lilian Helmann.
— Cite alguns livros e autores que foram importantes na sua formação.— Caio Prado Jr., Guimarães Rosa, Padre Lebret, Padre Juan Luiz Segundo.
— Qual livro ou autor marcou a sua infância? Por quê?— Os livros de Monteiro Lobato. Eram ótimos.
— Como é reconstruir um ideal de cidadania, semeado durante toda uma vida, após a decepção com o governo Lula?— Não perdendo a fé no socialismo e no povo brasileiro.
— Está escrevendo um livro a esse respeito?— Não estou escrevendo livro no momento porque estou metido até o pescoço na candidatura a governador de São Paulo.
Participaram desta entrevista o professor universitário Saulo César da Silva, coordenador do grupo Além da Visão (Yahoo), que objetiva a reflexão, a partir de discussões na web, a respeito das questões inclusivas na América Latina, Caribe e Portugal; Gisele Pecchio Dias, jornalista, autora da Coleção Toby, coordena a comunidade Amamos Livros Inclusivos (Orkut), para colaborar na difusão do tema livro acessível entre os internautas; Naziberto Lopes de Oliveira, acadêmico de Psicologia na Universidade São Marcos e membro do Conseg (São Paulo-SP), do Livro Acessível (Yahoo) e Quero-Ler (Google) e Rosângela Gera, médica de Colatina (ES) e mãe de aluna da pré-escola que igualmente ao universitário Naziberto enfrenta a exclusão no mercado do livro.
LIVRO ACESSÍVEL É UM DIREITO NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Está prevista para este mês a regulamentação da lei do livro contemplando, assim, na forma de lei, o direito ao livro acessível. Pouco mais de 0,01% dos livros à venda na última Bienal tinham edições em braile, um dos vários formatos acessíveis que podem ser oferecidos ao deficiente visual. Esse é um flagrante desrespeito constitucional ao livre acesso à informação.
O IBGE, no último censo, registrou 159.823 brasileiros cegos e 2.398.471 com baixa visão que são os casos de grande dificuldade permanente de enxergar; há indicadores sobre a existência de 1 milhão de cegos e 5 milhões os brasileiros com baixa visão.
Nesta entrevista, contribuímos para dar mais visibilidade ao assunto porque falta informação sobre o livro acessível na mesma proporção que faltam livros para os excluídos da sociedade.
Plínio de Arruda Sampaio é jurista, promotor público aposentado e diretor dos jornais Correio da Cidadania e Brasil de Fato. Militante político de esquerda, foi deputado federal constituinte e está na vida pública há mais de 40 anos. Sua ética e correção inabaláveis não permitiram que continuasse militando na política no partido que ajudou a fundar, o PT. É candidato ao governo do estado de São Paulo pelo PSOL. Referência obrigatória quando o assunto é justiça e cidadania, nesta entrevista ele colabora na busca do entendimento e das soluções para esta dívida social rumo a uma sociedade mais próxima do ideal democrático que não se faz sem o livre acesso à informação.
— Qual é o papel do livro na construção da cidadania?
— Quanto mais uma pessoa sabe, mais apta está para exercer a sua cidadania. O livro é o alimento mais nutritivo do saber.
— O que o senhor acha da situação excludente de milhões de brasileiros cegos e com baixa visão?
— Vivemos numa sociedade excludente. Quem não consegue seguir o seu ritmo é excluído. Pessoas com alguma dificuldade são candidatos à exclusão, como os cegos. Faz parte da lógica da competição. Por isso, precisamos mudar essa sociedade e organizá-la sob a lógica da cooperação.
Os deficientes visuais não querem mais as instituições intermediando a sua relação com os livros nem tão pouco a doação dos mesmos. Querem comprar livros acessíveis e estão buscando acordar sobre o melhor formato para universalizar o acesso aos mesmos. Até aqui as leis foram paternalistas, retiraram a autonomia do cego não lhe permitindo sequer escolher o livro do seu gosto muito menos poder comprá-lo.
— No Brasil do Bolsa Família, como o senhor encara essa atitude?
— Na lógica da cooperação, o Estado organizaria a produção de livros, de modo que todos, inclusive os cegos, tivessem condições de comprar livros. Cuba já conseguiu isso. Lá o livro é baratíssimo.
Há um movimento internacional que defende o copyleft, que se opõe ao direito autoral tão defendido pela indústria cultural. Na informática o sistema aberto Linux deu notoriedade a esta tendência quebrando a rigidez dos sistemas fechados. O mercado reage porque não acredita na viabilidade econômica desta abertura. No Brasil, a indústria do livro não quer nem ouvir falar em livro digital ou em qualquer outro formato aberto alegando problemas com o direito autoral. As editoras alegam que a venda de um livro em formato digital a um deficiente visual poderá desencadear a pirataria. De acordo com a lei todos são inocentes até que se prove o contrário. Mas no caso das pessoas com deficiência visual as leis são interpretadas ao contrário...
— Qual é a sua opinião sobre essa queda de braço?
— Proteção à propriedade intelectual é uma balela do capitalismo.
— O senhor é um intelectual com vasta experiência internacional; a luz dos melhores exemplos apresentados em outros países, qual é o modelo mais democrático e inclusivo que já conheceu e que melhor se aproxima do ideal de informação como um direito de todos?— Apesar de todas as dificuldades decorrentes do bloqueio norte-americano, Cuba é o país em que as pessoas pobres conseguiram o melhor padrão de vida. [comparado com os povos latino-americanos]
Escritores e profissionais da Educação discursam constantemente sobre a necessidade de estimular nossas crianças para o hábito da leitura. Porém, a literatura para crianças cegas é quase inexistente. Se as crianças cegas são igualmente cidadãs, então elas têm o mesmo direito à leitura e à fartura de títulos que as demais crianças.
— Qual é a contribuição que o senhor daria para um contexto social mais justo e igualitário nesta questão do acesso ao livro?
— Não sabia que não há muitos livros para crianças cegas. Que absurdo! Não tenho competência para suprir essa falha, mas vou escrever sobre isso, na esperança de sensibilizar os escritores de livros infantis para que eles entrem nesse campo.
Tão ruim como entrar numa livraria e não encontrar o livro acessível para comprar é encontrar o livro e não ter dinheiro para comprar. O governo reduziu o imposto para baixar o preço mas o consumidor ainda não se beneficiou da medida. O brasileiro continua pagando mais caro pelos livros do que o norte-americano. Além disso, faltam bibliotecas e livros onde mora a maioria pobre excluída do consumo.
— Quando, afinal, poderemos nos fartar num banquete de livros?
— No dia em que o Brasil se tornar socialista.
Haverá um banquete onde serão servidos livros na entrada, no prato principal e na sobremesa. Cada convidado terá que levar três livros para três convidados. Ao convidado Plínio Sampaio é pedido entregar um livro ao presidente Lula, para um menino de sete anos que é cego [em formato acessível, é claro] e para uma terceira pessoa que o convidado levará consigo ao banquete.
— Quem o senhor levará consigo e quais livros entregará para cada um?— Para o Lula, a biografia do Mandela [Nelson Mandela, líder nacionalista e estadista sul-africano]; para o menino, o Sítio do Pica-Pau Amarelo; eu levaria comigo a Heloísa Helena e daria para ela o livro “Pentimento”, de Lilian Helmann.
— Cite alguns livros e autores que foram importantes na sua formação.— Caio Prado Jr., Guimarães Rosa, Padre Lebret, Padre Juan Luiz Segundo.
— Qual livro ou autor marcou a sua infância? Por quê?— Os livros de Monteiro Lobato. Eram ótimos.
— Como é reconstruir um ideal de cidadania, semeado durante toda uma vida, após a decepção com o governo Lula?— Não perdendo a fé no socialismo e no povo brasileiro.
— Está escrevendo um livro a esse respeito?— Não estou escrevendo livro no momento porque estou metido até o pescoço na candidatura a governador de São Paulo.
Participaram desta entrevista o professor universitário Saulo César da Silva, coordenador do grupo Além da Visão (Yahoo), que objetiva a reflexão, a partir de discussões na web, a respeito das questões inclusivas na América Latina, Caribe e Portugal; Gisele Pecchio Dias, jornalista, autora da Coleção Toby, coordena a comunidade Amamos Livros Inclusivos (Orkut), para colaborar na difusão do tema livro acessível entre os internautas; Naziberto Lopes de Oliveira, acadêmico de Psicologia na Universidade São Marcos e membro do Conseg (São Paulo-SP), do Livro Acessível (Yahoo) e Quero-Ler (Google) e Rosângela Gera, médica de Colatina (ES) e mãe de aluna da pré-escola que igualmente ao universitário Naziberto enfrenta a exclusão no mercado do livro.
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