30/07/2006

Faltam livros em braile no país


DEFICIENTES VISUAIS
Por: Gisele Pecchio Dias Fonte: Observatório da Imprensa 27/4/04

As edições de livros em braile no Brasil não são significativas. Os deficientes visuais não têm opções suficientes de autores e títulos e a solução para esse problema parece estar longe, pelo menos enquanto perdurar o desinteresse do mercado editorial.

O serviço de impressão em braile da Fundação Dorina Nowill para Cegos, o maior dos quatro fornecedores especializados nesse tipo de impressão no país – todos ligados a instituições sem fins lucrativos –, informa que imprime 9 milhões de páginas em braile por ano, entre livros, revistas, cardápios, letras de música e textos diversos. Se dividirmos essas páginas entre os cegos brasileiros, cada um ficará com apenas 0,15 página por dia.

As editoras comerciais poderiam investir nesse segmento mas não o fazem por medo de comprometer o seu lucro. Alegam que as máquinas para esse tipo de impressão são muito caras.
As escolas especializadas na educação de cegos, por sua vez, reclamam a falta de livros para atender a expressiva demanda. Os títulos infantis são raros e, até recentemente, antes da imposição da lei, as editoras se recusavam a ceder seus títulos à transcrição em braile às poucas escolas que se dedicam à educação de cegos no Brasil.

Pela primeira vez o Ministério da Educação autorizou a transcrição em braile de vários títulos, que já estão à disposição na rede de ensino público. Mesmo com esse importante investimento do governo federal, a demanda ainda não foi atendida plenamente. Visitando as bibliotecas públicas e as instituições que mantêm programas de assistência ao cego, constatei que faltam títulos, especialmente para o público infanto-juvenil. E é claro que isso prejudica o aprendizado das crianças. Além dos livros gravados em fita, elas precisam treinar a leitura, por meio do tato.

Nariz de palhaço

Ora, se há demanda reprimida o que está faltando mesmo é vontade, até nos autores que ostentam em suas biografias a vendagem de milhões de exemplares. Quantos desses já usaram o seu prestígio para influenciar a indústria do livro a olhar com mais atenção para os excluídos do sistema?

Será que tudo precisa girar em função do lucro? Não haverá espaço para ideais mais elevados nesse balcão de negócios em que se debruça a cultura nacional?

Monteiro Lobato dizia que "um país se faz com homens e livros". Podemos acrescentar que onde faltam homens com o voluntarismo e o espírito público do Lobato sobram oportunistas e mercadores, ávidos pelo lucro, inclusive no serviço público. Uma distorção de finalidade gravíssima e muito comum nos dias de hoje, onde se admite a cobrança de multa de 10% por atraso de um dia em impostos como o IPTU.

Na abertura da 18º Bienal Internacional do Livro de São Paulo, o presidente Lula teve a coragem de interpretar o texto escrito para ele, por algum marqueteiro, comparando o hábito da leitura com a corrida na esteira. Só esqueceu de lembrar que os milhões de brasileiros que o elegeram, na esperança de serem finalmente incluídos no sistema, ficaram do lado de fora da Bienal. Não pela ausência de condicionamento à leitura, mas por falta de dinheiro, mesmo. E o que dizer aos escritores alternativos, que pagam as mesmas taxas pagas pelas editoras para registrarem as suas obras na Câmara Brasileira do Livro e, na hora da festa, ficam do lado de fora, com nariz de palhaço?

Os leitores de livros em braile e para visão subnormal (aqueles impressos com letras grandes) também ficaram sem opções nessa Bienal. Se não por ideais elevados, porque reconhecemos quais são os valores que movem essa engrenagem, que é a mesma desde os tempos do Lobato, que a entrada das editoras nesse segmento seja então por uma questão de mercado.

Mais e melhor

Está na hora de botar sebo nas canelas porque vem aí uma turminha de leitores para lá de especial, ávida por experimentar a leitura pelo toque dos dedos. São crianças, muitas delas com dificuldade de aprender em braile por falta de treino. Faltam livros transcritos em braile. Faltam desenhos com relevo e texturas nesses livros. Falta amor pelo semelhante. Falta coragem para desgrudar os cotovelos desse balcão de negócios e enxergar o lado de fora, aquele onde estão o contribuinte e o escritor com nariz de palhaço.

Para redigir esse artigo, pedi números sobre a deficiência visual no Brasil ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde trabalham brasileiros que fazem pesquisa e estatística, em vez de utilizar indicadores de organismos internacionais. É preciso parar de valorizar somente o que vem de fora e dar credibilidade aos brasileiros, para motivá-los a trabalhar ainda mais e melhor pelo desenvolvimento do país.

Em 169.799.170 pessoas pesquisadas na amostragem do IBGE para o censo de 2000, foram registrados 16.573.937 deficientes visuais – ou seja, 9,76% da população pesquisada. Destes, 159.823 são cegos (0,96%), 2.398.471 possuem dificuldade permanente de enxergar (14,47%) e 14.015.641 têm alguma dificuldade permanente de enxergar (84,56%).

Em relação à população brasileira pesquisada, são cegos 0,09% do total, 1,41% possui grande dificuldade permanente de enxergar e 8,25% têm alguma dificuldade permanente de enxergar.

Beleza eterna

Outro caso que ilustra a pouca valorização dada aos elementos que formam a cultura nacional é o desprezo dedicado às personalidades ilustres da nossa história. O ensino do braile foi introduzido no país por um brasileiro chamado José Álvares de Azevedo, que nasceu cego e estudou pelo método braile na França. O patrono da educação de cegos no Brasil deixou poemas e livros que eu jamais pude ler e apreciaria saber onde estão. Considerado o primeiro professor cego do país, Azevedo faleceu aos 20 anos de idade, no Rio de Janeiro, em março de 1854, seis meses antes da inauguração da primeira escola de cegos – fundada por ele e que jamais teve o seu nome. Ainda hoje esta escola é conhecida como Instituto Benjamin Constant.

Betinho, como era chamado o sociólogo Herbert de Souza, outro brasileiro notável, cujo nome precisamos lembrar sempre porque ele dedicou a sua vida à ação social e à inclusão, dizia que por meio da cultura, da emoção e da inventividade podemos fazer as idéias evoluírem.

Já que não posso finalizar esse artigo com um texto de José Álvares de Azevedo, porque jamais me foi dada a possibilidade de conhecer a obra deste brasileiro a quem devemos tanto, transcrevo abaixo um poema da estudante gaúcha Isaura Gisele, hoje com 11 anos:

"Com o teu sorriso, o teu amor, o teu abraço, a tua vida. Com o teu carinho e o teu jeito especial de ser, me iluminas com uma luz que nem a mais brilhante estrela possui, porque me mostras e me ensinas o ladobelo da vida. Não preciso ver-te, pois sinto a tua alma, capto coisas que não podem ser vistas, apenas sentidas.Não vejo a tua beleza exterior, que é efêmera, mas sinto a tua beleza interior, que é eterna ..."

Opinião do Leitor

Fonte: Observatório da Imprensa Tema: FALTAM LIVROS EM BRAILE abril/04

Uma de nossas misérias

O assunto acesso à leitura continua uma das misérias que assolam este imenso e não ainda tão grandioso país. Diz um aprendiz de Jorge Luis Borges (aliás, que adquiriu cegueira), um estudioso da leitura chamado Alberto Manguel, que "uma sociedade pode existir –existem muitas, de fato – sem escrever, mas nenhuma pode existir sem ler". Acrescentaria que é pela prática da leitura que se oportuniza ao homem a criação, a construção e a reconstrução do conhecimento chegando a sua aplicabilidade ao meio social que habita.

E o ser cego ou possuidor de visão subnormal não é ser mentalmente capaz que contribui para a sociedade? Aqui, sociedade brasileira? Por que tanta restrição? E a criança, um ser em formação, a ela está sendo negada a possibilidade de conhecer e ver o mundo pelo livro e pela leitura? Lembre que cego vê, e talvez veja e sinta melhor de que as pessoas "videntes".

Políticas públicas voltadas à educação, à leitura, à acessibiliade – sim, pasmem, conheço bibliotecas com acervos em braile que ficam no terceiro andar de um prédio que não possui elevador... – ainda derrapam na mão de gestores. Associadas à timidez de um povo que pouco exerce a cidadania, fazem com que um grupo de cidadãos permança no escuro. Aliás, é a restrição de leitura que causa cegueira no ser humano, independentemente de ser ter visão ou não!

Não diferentemente, as organizações privadas do mercado livreiro não efetivam a sua contribuição. Alguém está pedindo algo gratuitamente? Não! Estamos apontando que todos têm direito à informação, a fatia do mercado está para ser explorada. Paradoxalmente, nem por "dinheiro" se produzem livros em braile! Há tipos e tipos de cegueira!

Quem leu "Ensaio sobre a cegueira", de José Saramago? Parece que esta epidemia tratada pelo autor português assola o povo brasileiro, principalmente aqueles que estão posicionados para que haja "equidade para todos." Finalizando, são artigos aqui e acolá, como este de Gisele, que espero se tornem cupim, sim, aquele bichinho que muitos consideram insignificante e que, em grupo, derruba prédios!

Que sejamos cupins destruindo a inércia que ainda impede um cego, um ser humano de ler e crescer! Parabéns à Gisele.

Salete Cecilia de Souza, bibliotecária da Unisul e membro do Grupo Cegos.Com


Pura realidade

Que artigo estupendo, magnífico! São a pura realidade os fatos retratados no artigo. Há falta de incentivo à produção de livros em braile e muita burocracia para atender aos pedidos de transcrição de livros feitos pelos deficientes visuais. Eu mesmo já enfrentei dificuldades. Ao recorrer a uma instituição, pediram-me três meses de espera somente para orçar a transcrição de um livro. Abraços de luta a todos.

Ricardo de Azevedo Soares, analista da Justiça Federal do Estado do Rio de Janeiro

Sem medo de ser feliz, amo os livros infantis

Por: Gisele Pecchio Dias Fonte: Webjornal "WMulher" www.wmulher.com.br 17/1/03

Lula chorou ao receber a carta de diplomação para exercer a Presidência da República do Brasil. Assisti as imagens do seu choro pela tevê, em casa, no último sábado, quando acabava de chegar de um workshop sobre a qualidade das emoções no ambiente de trabalho, onde eu também havia chorado.

Quando vi as lágrimas do Lula pensei nas generosas palavras da psicoterapeuta Anamaria Cohen, quando lhe perguntei porque somente eu havia chorado naquele grupo de pessoas, no momento de expressar uma tristeza.

- “Sua tristeza é muito bem-vinda, não há nada errado nela”, disse, pedindo à Ágata, sua filha e integrante do grupo, para segurar a minha mão.

Senti-me segura em demonstrar minha emoção; fui respeitada e acolhida pelas demais pessoas; no decorrer do trabalho em grupo, compreendi que por não ter a mesma aceitação da alegria, a tristeza é, algumas vezes, disfarçada. Nem sempre nos sentimos seguros para exprimi-la, com autenticidade, daí usamos o disfarce.

Minhas lágrimas, não compartilhadas, foram a expressão da tristeza. As lágrimas do Lula, compartilhadas, inclusive por mim, foram a expressão da alegria. Nada de errado nelas. São todas bem-vindas. Quem garante é a psicologia, que preconiza que saber lidar com as emoções é evitar doenças psicossomáticas.

O mundo moderno já produziu 350 milhões de deprimidos por causa do stress, alertou o consultor de empresas Flávio Freitas, parceiro de Anamaria Cohen na Cottage Consultoria, autor do Life Quality System, que tem beneficiado executivos e empresas a prevenir ou superar danos causados pelo stress.

Anamaria Cohen explicou-nos que são cinco as emoções autênticas e universais do ser biológico: a alegria, o afeto, o medo, a tristeza e a raiva. Ao longo das nossas vidas, aprendemos a disfarçar as emoções autênticas por outras como a vergonha, a timidez, a ansiedade, a irritação, a indiferença, o ódio, os ciúmes e a insegurança.

Os disfarces ocupam o lugar das emoções autênticas. Toda vez que isso acontece gera o stress, que pode nos levar à perda da capacidade de nos emocionar e de nos relacionar com os outros, caminho para a depressão e para outras doenças psicossomáticas, inclusive o câncer.

Como é inevitável continuar usando disfarces, embora aprimorando a capacidade de lidar com as emoções, encerro essa crônica ansiosa, ocultando o medo de não ser compreendida. É que na mesa, ao lado do teclado do computador, aguardam pela minha leitura os dois primeiros livros da recém lançada coleção "Erico Veríssimo para Crianças", que acabo de receber da Companhia das Letras.

“O Urso com Música na Barriga” e “A Vida do Elefante Basílio” são duas histórias contadas por um dos maiores escritores da literatura brasileira. Por meio da narrativa ágil e bem humorada, ele pretende auxiliar no desafio de expressar os próprios sentimentos, que acaba unindo dois personagens. Parece que ambos solucionam seus conflitos com o poder da imaginação e do afeto. São histórias que reforçam a importância das relações afetivas e da conquista da liberdade.