04/08/2008

Fonte: Amamos Livros Inclusivos, abril/2006
Foto: Mesa debatedora no II Seminário Nacional do Livro Acessível

DEFICIENTES VISUAIS QUEREM LIVROS ACESSÍVEIS

Ministério da Educação e indústria do livro já sabem que pobres querem livros. Falta saberem que pessoas com deficiência visual querem livros acessíveis. Mas se depender do domínio técnico e do interesse pelo assunto por parte de autores e editores de livros e de burocratas e empresários do livro que participaram do primeiro painel do Salão de Idéias da 19º Bienal do Livro, dia 15, esse problema parece que irá se arrastar por mais alguns anos.
Na literatura infantil os fóruns das últimas bienais não inovaram nos temas nem nos autores destacados para debater com o público. São sempre os mesmos, como o bom e veterano Ziraldo, o destaque do primeiro painel do dia 15.
O público, umas 350 pessoas, a maioria professoras da rede pública, o aplaudiram e soltaram gritinhos até mesmo quando ele criticou o despreparo de parte delas e comparou o cenário montado para o debate com um “bordel francês onde as prostitutas ficam sentadas em poltronas parecidas com essas”.
Ele conclamou os técnicos do Ministério da Educação a reverem as suas teorias e práticas educacionais. Disse que a criança precisa dominar a leitura e a escrita para poder refletir sobre o que aprende. Falou que estava ali “para confundir e não para explicar”. Para ele, “a escola precisa ensinar e a criança precisa aprender, sem precisar ser premiada pelo seu desempenho”. Na infância do menino maluquinho as crianças liam Machado de Assis e aprendiam. Hoje há livros apropriados para cada etapa do aprendizado da leitura e mesmo assim as crianças não aprendem, lembrou Ziraldo.
O autor disse que “é preciso abandonar palavras difíceis como “letramento” e “parâmetro” porque muitas das professoras de hoje nem sabem o que é isso. Nesse ponto Ziraldo se contradiz porque oferecer facilidades não é ensinar a pensar, muito pelo contrário, talvez seja por isso que a sua geração aprendia mais, mesmo tendo que ler na mais tenra idade autores tão complexos como Machado de Assis.
Talvez seja por isso que no país do futebol alguns locutores esportivos usem a palavra “handicap” no sentido oposto ao que realmente significa essa expressão técnica de origem inglesa muito usada no futebol.
Isso só para dar um exemplo de que simplificar ou pular a dificuldade não resolve. Talvez seja melhor mesmo Ziraldo criar textos e desenhos e ser um pouco mais cuidadoso na hora de criticar assuntos que demandam conhecimento que ele não tem, especialmente quando se tem ao lado uma educadora como Regina Zilberman.
Foi pretensioso o autor ao afirmar que viajou muito mais do que qualquer um daqueles técnicos ali presentes então estava mais habilitado para falar sobre as reais necessidades da população leitora.
Se viajar muito capacitasse alguém alguns políticos não falavam tanta bobagem. Nenhum dos participantes pareceu dominar o conceito “livro acessível” ou se fez de desentendido quando perguntei aos “da poltrona” [não havia mesa, os debatedores sentaram em poltronas] qual seria a contribuição daquele Salão de Idéias na formação de leitores com deficiência visual? Quando uma criança com deficiência visual poderia, afinal, entrar numa livraria e comprar o livro da sua escolha em formato acessível?
Ninguém respondeu minhas perguntas de forma convincente e pareceu-me que na visão deles livro acessível é tão somente o livro em braile distribuído pelo MEC. Por esse motivo, reafirmo que o II Seminário Nacional do Livro Acessível deveria acontecer paralelo à 20ª Bienal do Livro com um fórum específico dentro do Salão de Idéias. É preciso articular isso desde já. Ziraldo poderia participar exercendo toda a sua influência para persuadir editores a abraçarem essa causa. Serão “pitacos” muito bem-vindos e bem mais apropriados para um jornalista e escritor tão querido e tão compromissado com a democratização da informação por meio do livro.

Por Gisele Pecchio Dias
Observatório da Imprensa 16/5/06
Livro acessível antecipa indústria do futuro
Este artigo compõe eixo temático do caderno de textos da 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, organizada pela Secretaria Especial de Defesa dos Direitos Humanos da Presidência da República
O livro acompanha a evolução da humanidade desde o alvorecer da história. Há quatro séculos inspirou a produção industrial em série, antecipando-se à indústria moderna. No limiar do século 21, novamente o livro se adianta à história da indústria do futuro para universalizar o acesso à informação e ao conhecimento nele encerrados.
Milhões de brasileiros estão excluídos do direito legítimo à informação, sem a qual não se dá o conhecimento e não se educa um povo para ser livre e empreendedor. Também não há sociedade democrática sem o livre acesso à informação, que não deve ser prerrogativa da minoria.
Da mesma forma, não deve ter a minoria o poder decisório sobre o que milhões irão ler, ouvir, assistir e consumir.
Como pode o livro custar mais caro para o leitor brasileiro do que custa para o leitor norte-americano?
Como explicar o preço tão alto no Brasil com todos os incentivos fiscais concedidos pelo governo? Como explicar a falta de acesso ao livro na Idade da Multimídia?
Como não oferecer o formato acessível por supostos problemas com direito autoral?
Os profissionais da informática já deram soluções para derrubar esse preconceito. Da parte dos autores, tudo o que desejamos é ver as nossas obras nas mãos dos leitores, seja em que formato for.
Pirataria?
Não há softwares mais violados no mundo do que os produzidos pela empresa de Bill Gates. Isso não impediu que ele fosse um dos homens mais ricos do planeta.
A multimídia tem potencial para ser a mais poderosa das formas de comunicação de idéias que qualquer outro meio inventado porque é a junção de todos eles e ainda adiciona a interatividade com o usuário (no caso do livro, o leitor). Ainda é um recurso de alto custo, desafio que pode ser derrubado. Afinal, não foi olhando para os custos que o ser humano desafiou e venceu a gravidade na conquista do espaço.
A questão do livre acesso ao conhecimento, à informação e à educação por meio desta tradicional mídia, o livro, não se concentra apenas no aspecto relacionado ao preço. A população reclama igualdade de oportunidade no acesso ao livro.
Encontrar o livro na livraria e não poder comprá-lo porque é caro é tão ruim como ter o dinheiro para comprar e não encontrá-lo em formato acessível.
Há que se encontrar um padrão que atenda às necessidades dos leitores cegos ou com baixa visão e que haja entendimento sobre a necessidade de se banir a vergonhosa dívida social da exclusão ao livre acesso à leitura.
Direito legítimo
A população reclama por mais espaços públicos de acesso ao livro, por acervos mais completos e atualizados e por um formato de livre acessibilidade à leitura. Esse clamor pela inclusão encontra ressonância entre os escritores que não encontram espaços nem iniciativas por parte dos gestores que facilitem o encontro entre autores livres e o público.
As bibliotecas, seus acervos, seus recursos de multimídia (quando existem computadores e recursos de interatividade) e horários de funcionamento ainda são insuficientes para atender aos seus habituais freqüentadores e para atender a um aumento na demanda. Faltam bibliotecas nas microrregiões, onde se concentram os pobres excluídos do consumo. O livro e os autores que assim o desejarem precisam estar onde o povo está. E o governo precisa ser o facilitador desse encontro, patrocinando os meios necessários para que ele se dê em igualdade de oportunidade para aqueles que não podem pagar pelo livro, qualquer que seja o formato que ficar acordado entre as partes.
Eram cegos muitos dos sábios e pensadores da antiguidade e são cegos muitos dos sábios e pensadores da atualidade, nas mais diversas áreas do conhecimento e das manifestações artístico-culturais.
São os cegos, os cegos-surdos e as pessoas com baixa-visão a razão maior para nos anteciparmos ao futuro, pagando a enorme dívida social contraída com os brasileiros privados do direito legítimo de ler por falta de acesso em todo o território nacional. Parte deles representada na 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Brasília, 12 a 15/5/06), sob o tema "Acessibilidade: você também tem compromisso".
Nova mentalidade
Muito antes da criação do alfabeto o ser humano recorria a primitivas formas de registros para se comunicar. O livro já foi produzido com os elementos mineral, vegetal e animal; fez perpetuar o "verbo" em papiro, pergaminho, papel, gravura, manuscrito e iluminura. Nos mais variados modos registrou o pensamento e a evolução humana. De geração para geração, desde os rolos de papiro do antigo Egito e das telas de seda da China, o livro eternizou civilizações nas mais diversas formas para atender à necessidade de comunicação e expressão. E sempre houve quem cuidasse de sua perpetuação como o mais importante ativo da riqueza acumulada pela humanidade nas suas lutas através dos tempos.
São os anônimos bibliotecários, desde os tempos de Alexandria, que zelam pelo conteúdo encerrado nos livros.
Em tempo algum a vida foi fácil para o leitor de livros e jamais deverá ser porque em cada fase da nossa evolução aparecerão desafios. Assim será numa perspectiva evolucionista. Ao leitor do futuro todas essas discussões serão superadas, da mesma forma como nossos antepassados superaram a censura ao livro feita pela Coroa Portuguesa, no início da colonização. De igual maneira como a nossa geração enfrenta com disposição tantas formas de censura e arbítrio que se interpõem no caminho do entendimento e da conquista de uma nova consciência que nos permita cumprir a principal missão na Terra que nos foi dada habitar: a união pacífica entre todos povos e o seu progresso material e espiritual. Nesse sentido, o livro, mais uma vez, e os seus leitores excluídos são os protagonistas de uma nova mentalidade que culminará na indústria com o desenvolvimento de uma série de produtos de leitura acessível. O futuro começa aqui. Soyuz, que em russo quer dizer "união".