Parabéns cidade de São Paulo! Minha vida começou numa das salas de parto da extinta Maternidade de São Paulo, na rua Frei Caneca, a alguns metros da avenida Paulista, que encerrou atividades em 2003 devido a problemas financeiros. Lá nasceram personalidades como o piloto Ayrton Senna, Paulo Maluf e Orestes Quércia, ex-governadores de São Paulo que nada puderam fazer para evitar o fechamento da maternidade, onde nasceram ricos e pobres, em igualdade de condições que já não há na medicina. Seu futuro é incerto. Fala-se na construção de um hotel ou numa unidade de famosa rede de medicina privada, para poucos.
A bendita enfermeira Benedita
Minha história começou na Maternidade de São Paulo, na mais fria noite de São João que os meus pais enfrentaram na Capital. Eles me contaram que naquela noite, no mesmo instante em que eu vim ao mundo, um balão com a tocha ainda acesa caiu no quintal da casa onde morávamos, na rua Albuquerque Lins, Barra Funda.
No mesmo instante em que o balãozinho de São João pousava manso sobre o piso gelado do quintal da nossa casa, nascia uma menina gorducha, cabeluda e muito chorona, que não cabia na caixinha do berçário, caixinha essa onde os bebês são colocados feito uns pãezinhos, um ao lado do outro, quando nascem.
Passados 17 anos, desde o meu nascimento, voltei à rua Frei Caneca para estudar no Colégio Etapa. Passava todas as manhãs pela calçada da Maternidade de São Paulo, onde testemunhei os passos largos e apressados de seu exército de médicos e enfermeiros, com suas roupas sempre alvas.
Num daqueles dias, sentou-se ao meu lado, no ônibus, a enfermeira Benedita. Ela achou bonito o meu sorriso e os meus cabelos e pôs-se a conversar comigo. Durante a conversa, uma revelação que jamais esquecerei: Benedita era uma das enfermeiras que assistiu ao meu parto. Ela lembrou-se do nome da mamãe, que se chama Fany Pecchio, e de uma particularidade: eu era gorducha, tinha cabelos negros e densos e não cabia na caixinha do berçário. Disse-me que sugeriu à minha mãe que eu me chamasse Joana, por ter nascido naquela noite especial, de São João. Mas meus pais resolveram que seria Gisele o meu nome.
Antes de saltar do ônibus, a enfermeira Benedita tirou uma aliança de prata de um dos dedos da mão esquerda e deu-me como lembrança. Jamais esqueci do olhar e das mãos daquela anciã que me trouxe ao mundo. Jamais deixarei de me emocionar quando caminhar pela rua Frei Caneca e me lembrar que a minha história com São Paulo começou ali, em 24 de junho de 1959, numa das salas de parto da Maternidade de São Paulo, onde nasceram ricos e pobres, de muitas gerações, em igualdade de condições que hoje já não mais há na Medicina. Nem a Maternidade de São Paulo existe mais. Ela estaria hoje com 112 anos se não tivesse falido após longa agonia, sem qualquer socorro por parte daqueles que trouxe ao mundo, entre eles grandes empresários e políticos. Seu prédio será sepultado para sempre e no terreno onde nasceram tantos deverá ser erguido mais um espigão de concreto.
Por Gisele Pecchio Dias, do livro Conte sua história de São Paulo, organizado pelo âncora da Rádio CBN Milton Jung, Editora Globo, capítulo I, 2006, pág. 35
A jornalista Lea e o fotógrafo Rubens me inspiraram a continuar contando um pouco mais da minha história por meio de resposta aos comentários, nesta postagem.
A bendita enfermeira Benedita
Minha história começou na Maternidade de São Paulo, na mais fria noite de São João que os meus pais enfrentaram na Capital. Eles me contaram que naquela noite, no mesmo instante em que eu vim ao mundo, um balão com a tocha ainda acesa caiu no quintal da casa onde morávamos, na rua Albuquerque Lins, Barra Funda.
No mesmo instante em que o balãozinho de São João pousava manso sobre o piso gelado do quintal da nossa casa, nascia uma menina gorducha, cabeluda e muito chorona, que não cabia na caixinha do berçário, caixinha essa onde os bebês são colocados feito uns pãezinhos, um ao lado do outro, quando nascem.
Passados 17 anos, desde o meu nascimento, voltei à rua Frei Caneca para estudar no Colégio Etapa. Passava todas as manhãs pela calçada da Maternidade de São Paulo, onde testemunhei os passos largos e apressados de seu exército de médicos e enfermeiros, com suas roupas sempre alvas.
Num daqueles dias, sentou-se ao meu lado, no ônibus, a enfermeira Benedita. Ela achou bonito o meu sorriso e os meus cabelos e pôs-se a conversar comigo. Durante a conversa, uma revelação que jamais esquecerei: Benedita era uma das enfermeiras que assistiu ao meu parto. Ela lembrou-se do nome da mamãe, que se chama Fany Pecchio, e de uma particularidade: eu era gorducha, tinha cabelos negros e densos e não cabia na caixinha do berçário. Disse-me que sugeriu à minha mãe que eu me chamasse Joana, por ter nascido naquela noite especial, de São João. Mas meus pais resolveram que seria Gisele o meu nome.
Antes de saltar do ônibus, a enfermeira Benedita tirou uma aliança de prata de um dos dedos da mão esquerda e deu-me como lembrança. Jamais esqueci do olhar e das mãos daquela anciã que me trouxe ao mundo. Jamais deixarei de me emocionar quando caminhar pela rua Frei Caneca e me lembrar que a minha história com São Paulo começou ali, em 24 de junho de 1959, numa das salas de parto da Maternidade de São Paulo, onde nasceram ricos e pobres, de muitas gerações, em igualdade de condições que hoje já não mais há na Medicina. Nem a Maternidade de São Paulo existe mais. Ela estaria hoje com 112 anos se não tivesse falido após longa agonia, sem qualquer socorro por parte daqueles que trouxe ao mundo, entre eles grandes empresários e políticos. Seu prédio será sepultado para sempre e no terreno onde nasceram tantos deverá ser erguido mais um espigão de concreto.
Por Gisele Pecchio Dias, do livro Conte sua história de São Paulo, organizado pelo âncora da Rádio CBN Milton Jung, Editora Globo, capítulo I, 2006, pág. 35
A jornalista Lea e o fotógrafo Rubens me inspiraram a continuar contando um pouco mais da minha história por meio de resposta aos comentários, nesta postagem.
Gisele é uma das raras jornalistas que escrevem com a alma.
ResponderExcluirFêz de sua profissão um forte e acertivo instrumento de formadores de opinião diante de seu tempo. Força, coragem e determinação são suas principais características.
Lea,você é uma das melhores colegas de profissão e lutas. Tenho saudades das nossas reuniões na CUT no movimento em prol de uma subsede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo na região oeste da Grande São Paulo, aqui em Osasco. Uma pena não termos conseguido. Mas participamos dessa luta em favor da nossa categoria! Abraço de luta, com saudades...
ResponderExcluirOla Gisele, tudo bem?? nao se se lembrara de mim , mas trabalhmos juntos la na PECPLAN , sou o Rubens Ferreira, estava iniciando minha carreira como fotografo no marketing do Pecplan onde fui trabalhar junto com Fabio Fatori e todo aquele pessoal maravilhoso da epoca. Olhando por acaso pelo google lembrei de seu nome e te achei, fiquei tao feliz que voce é escritora . Tanto tempo passou, mas NUNCA esqueço que voce deu MAIOR FORÇA para mim, na epoca, que eu era apenas um garoto com um sonho de se tornar fotografo e voce me incentivou muito e hoje sou fotografo de gado. Devo tanto a voce porque me lembro como se fosse hoje dos seus incentivos e do seu profissionalismo acentuado, creio que isso me moldou para ser o que sou hoje.
ResponderExcluirHoje sou casado e tenho duas meninas lindas, Isabela de 06 anos e Gabriela de 03 anos, e ja tenho mais de vinte anos de carreira, vou anexar uma materia de revista que saiu sobre meu trabalho.
cresci muito profissionalmente em todos esses anos, mas sempre tive certeza que faço aquilo que amo, e até tenho um livro so de fotos de nelore que se chama NELORE RETRATOS DE UMA RAÇA
eu e minha familia seguimos vivendo em osasco, perto da cidade de Deus.
sei que voce dever ser uma pessoa super ocupada, mas eu ficaria realmente feliz e emocionado se voce pudesse passar em nossa humilde casa para tomar um café e falarmos de passado, presente e futuro.
obrigado por tudo amiga (creio que posso te chamar assim)
Rubinho,como esquecê-lo?
ResponderExcluirLembro-me de todos os colegas daquela época.
Dia destes mesmo comentei com alguém sobre a nossa aventura andando a pé pela estrada e depois de carona na carroceria de um pequeno caminhão para conseguir chegar numa fazenda, perto do então chamado Clube dos 500. Disseram-nos que haveria um ônibus no tal trevo do Clube, lembra? Que ônibus que nada!
Encaramos o sol e o pó da estrada e você ficou com bolhas nos pés. Sem falar do nosso medo em sermos assaltados ou sofrermos algum mal naquela estrada deserta...
Ao chegarmos de volta,na empresa,fizemos um relatório, com o Fabinho, e acabamos ganhando um carro para serviços externos, lembra?
Quanta raiva passamos neste episódio (rsss).
Mas tudo se foi e restou a imensa alegria de receber esta sua mensagem, tão linda e verdadeira.
Infelizmente não vou poder visitá-lo, apesar de estarmos tão pertinho...
Mas desejo, imensamente, recebê-lo e a sua Família aqui em casa.
Rubinho, no Domingo de Ramos de 2010 sofri grave acidente aqui. Cai do telhado, de uma altura de 4,5m.
Sofri politrauma e fraturei a coluna. Estou paraplégica, com outras complicações devido ao pós-operatório ruim.
Passo por uma provação muito dura e não dá nem para descrever aqui.
Sua mensagem foi um presente de Deus. O Espírito Santo tocou em você para lembrar de mim.
Tem um momento na vida em que tudo o que precisamos é colher o amor e a amizade que semeamos.
Saudades de você, Fabinho, Paulinho, Walter, Sr. Hélio, Sr. Paulo Machado, Dr. Rubén (me chamava de Gicele), Prof. Cariello...
Deus o abençôe e o proteja neste lindo dom de fotografar o belo da Natureza.
Parabéns pelo site e pelos 20 anos de estrada.
Abraço meu, Gisele
Parte I
ResponderExcluirLea e Rubens, dois grandes amigos. Negros. Também eu e a maioria da população brasileira têm sangue índio e negro correndo nas veias.
Encantou-me ler seus depoimentos neste meu último post no blog. Digo último porque a voracidade dos acontecimentos, nesta outra vida que me foi dada viver,submetida mais ao departamento jurídico do plano de saúde que me assiste e a fé duvidosa de seus orientados, me fizeram recuar, perder a vontade de escrever relatos que não interessam a pessoa alguma.
Parte II
ResponderExcluirNo dilúvio em que navegamos, quem estaria preocupado com a manutenção da verdade, numa cultura líquida?
E qual é a verdade?
A verdade é metafísica.
Acordei pensando em vocês, Lea e Rubinho, e nas cartas da África do Sul.
Nunca mais subi ao meu quarto e muitos dos meus livros, cartas e manuscritos foram perdidos nas muitas mãos que selecionaram aquilo que supostamente poderia me interessar acaso eu sobrevivesse e voltasse para casa.
Senti falta do meu primeiro livro: Reinações de Narizinho, 1ª edição, Editora Braziliense (valor sentimental e uma relíquia que deve estar, na melhor das hipóteses, em algum sebo).
Senti falta das cartas, cartões, manuscritos para futuros livros para crianças, e das cartas do meu amigo Anwah, um pescador da África do Sul. Sumiu tudo.
Parte III
ResponderExcluirCartas da África - Em 1977, quando estudei na rua Frei Caneca,eu e minhas colegas de turma nos correspondíamos em inglês com jovens da nossa idade. As meninas escolhiam jovens da High Scholl norte-americana ou britânica para aperfeiçoar o idioma inglês.
Eu, sempre na contramão, a menina "do contra", escolhi me corresponder com Anwah, um garoto que trabalhava com o pai num barco de pesca na Província do Cabo, diante da majestosa Montain Table.
Seu inglês era muito bom. Naquela época a Nasa ainda não havia disponibilizado a tecnologia da correspondência eletrônica, via satélite. Trocávamos cartas. As dele vinham escritas em papel azul guardadas em envelope azul. As recebia violadas por funcionários dos Correios da África do Sul.
Parte IV
ResponderExcluirAs cartas eram lidas e coladas com fita transparente. Somente poderíamos escrever sobre a cultura e o turismo daquele lindo país. Qualquer palavra sobre o regime "apartheid" renderia prisão e até a morte. Leia sobre Nelson Mandela, hoje no alto dos 94 anos. Ele passou 29 anos preso até acabar o regime que reconheceu direitos e cidadania aos negros. Em 1994 foi eleito presidente da África do Sul. O primeiro negro a presidir aquele lindo pedaço do planeta esculpido com os dedos das mãos amorosas do Criador.
Eu, uma garota de 17 anos, já me preocupava com o "apartheid", por isso escolhi um garoto sul-africano para me corresponder. Vidas separadas é o que significava o regime de segregação em que viviam os negros na África do Sul desde a invasão (também chamada colonialismo) inglesa e holandesa do século XVII. Este regime foi oficilizado em 1948 e durou até 1990.
Falávamos sobre o futebol do Rei Pelé, adorado por Anwah, Carnaval no Rio, a natureza da fauna, flora e minerais da África do Sul. Eu sempre me encantei com o colorido dos tecidos das vestes africanas. Então, falávamos um pouco disso tudo.
Uma das cartas Anwah escreveu a luz de vela no barco pesqueiro, no meio da noite. Jamais esqueci da minha despedida final na última carta endereçada a ele: I'm keeping my fingers crossed for you... e em africado: Luv Ya!
Nunca mais nos correspondemos.
Parte V
ResponderExcluirHoje, passados 36 anos, parte da minha memória e história de vida estão em local desconhecido. Pessoas que não conhecem minha história e meu coração me julgam e subjugam.
Com o corpo doído pelos espasmos e tortuosidade do conjunto tronco-quadril-perna direita saí de uma delegacia de polícia carregada no colo de um advogado, debaixo de forte chuva que inundou parte da cidade de Osasco, em 14 de fevereiro de 2013.
Fui responder por crimes de racismo, cárcere privado e injúria forjados contra mim para me intimidar, coagir e me jogar para fora do sistema privado de saúde que promete tudo quando se entra nele e quando se cai em desgraça...
Eu nada fiz. Nem uma reclamação à Ouvidoria, à ANS, ao Procon e nem um Boletim de Ocorrência sobre maus tratos e crime de omissão de socorro.
Um jovem e esforçado advogado está tentando fazer a parte dele. Eu coloco nas mãos de Deus, que já perdoou a nós todos. A mim por ter sido imprudente ao subir no telhado para fazer um reparo aqui em casa e aos que salvaram a minha vida mas esqueceram de me tratar como um holos e não como uma coluna.
O Tribunal da história é mesmo a Eternidade.