31/07/2008

TOBY NO QUINTAL DA GLOBO

Participei do programa Quintal da Globo, comandado pelo radialista e professor de jornalismo Marcus Aurélio Carvalho. Foi em 7 de novembro de 2004. Um domingo à noite, quando estive no estúdio da Globo/CBN, em São Paulo, acompanhada do amigo Neivam Carvalho, gerente de TI do Datafolha. Fomos recebidos pela Ana Paula Ruiz, então produtora do programa, em São Paulo. Marcus Aurélio comanda o programa do estúdio carioca, onde entrevista convidados, interage com ouvintes, que telefonam de todas as partes do Brasil, apresenta as principais manchetes do dia e faz comentários pontuais sobre as mesmas. Sentimo-nos em casa. No quintal de casa, como sugere o nome do programa. Foi uma entrevista longa, dividida em cinco partes, com perguntas bem elaboradas, a participação dos ouvintes de Sergipe, Maranhão, Rio, entre outros estados, os quais fizeram-me perguntas e participaram de sorteio dos meus livros, no final do programa. Até o Neivam entrou na rodada. Foi um aprendizado para nós termos estado naquela noite na companhia do Marcus e da Ana. Ele é um craque e conduz o programa com maestria. Publico aqui trechos da entrevista com o Marcus Aurélio, que antes de assumir a gerência de jornalismo da Rádio Globo-RJ, foi âncora do CBN Total.

ENTREVISTA

Marcus Aurélio – Estamos recebendo aqui, nos estúdios da Rádio Globo, uma convidada que faz um trabalho importante de inclusão. Vou conversar com a Gisele Pecchio, escritora. O primeiro livro que ela lançou é "Um par de asas para Toby". Quem seria Toby? Vamos saber daqui a pouco. O segundo livro é "Toby e os mistérios da Floresta", que saiu primeiro em braile e, recentemente, foi lançado em tinta. Esses livros têm algumas diferenças com relação às histórias de HQ que a gente conhece. A principal delas é que são livros inclusivos. São inclusivos no material e na história?

Gisele - São inclusivos no conteúdo e na forma. São livros com cara de gibi por causa dos desenhos que ilustram o texto. A indústria do livro, em geral, rejeita esse tipo de material mas, no entanto, as crianças não somente gostam como iniciam o aprendizado e o gosto pela leitura com histórias em quadrinho, também chamadas HQs.

Marcus – O Toby tem características diferentes de outros super-heróis, não é?

Gisele – Ele é um genuíno vira-lata da Mata Atlântica. Embora tenha o porte e a vivacidade de um cão de raça, é um genérico.

Marcus – Qual é a diferença do Toby dos demais personagens de história que a gente conhece? Qual é o papel social dele?

Gisele – O Toby existe. Quando o conheci na praia, num dos locais mais bonitos da Juréia-Itatins, chamou a minha atenção o fato de ele e seus amigos pássaros mobilizarem as pessoas, na praia, para vê-los apostar corrida. Então, resolvi chamar os pássaros de “esquadrilha da fumaça” porque faziam acrobacias aéreas sobre a cabeça do cão. Em vez de matéria para jornal, resolvi usar técnicas de jornalismo, como a apuração, por meio de um inventário completo sobre o animal e o meio em que ele vivia, na época, para escrever em linguagem literária a história de um cão pobre, tipicamente brasileiro, que mora numa casa simples, sem carro na garagem, mas que passeia de carro e toma sorvete na praia de graça, com freqüência, porque tem o dom de fazer amigos e se relacionar bem com o ser humano.

Marcus – Qual é a diferença principal das histórias contadas nos dois primeiros livros da Coleção Toby?

Gisele – A segunda história é uma continuação da aventura contada em "Um par de asas para Toby", mas a compreensão de uma não depende da leitura da outra. As crianças gostaram de saber que o cão existe e pediram-me para contar outras aventuras. Algumas pediram aos pais para que as levassem para Peruíbe para ver o Toby, que nasceu ali, na Serra dos Itatins, e jamais saiu do lugar. Como o sonho dele, na ficção, era ganhar a corrida dos pássaros, a única forma de ele obter êxito nessa empreitada seria a bordo de um avião ou com um par de asas. Na segunda história ele dormiu na praia e sonhou ter conhecido o índio Ypê, com quem viajou num avião, do Nordeste ao Sul, revelando a fauna e a flora da Mata Atlântica e os agravos cometidos contra o meio ambiente.
Marcus – Tanto num quanto noutro você pretende trabalhar a consciência ecológica, a consciência ambiental?

Gisele – Sim. Além da inclusão. Porque o livro pode ser uma ferramenta importante de inclusão, não só quando ofereço a versão braile e o audiolivro aos leitores do braile. Faço isso porque é nossa obrigação. Deficiência não é não ler com os olhos. É não dispor os meios para que todos tenham as mesmas oportunidades de ler um livro, ter acesso ao cardápio dos restaurantes, ao manual de um produto ou fazer pagamentos em dinheiro com autonomia, podendo reconhecer as cédulas sem necessitar de ajuda de outra pessoa. O livro se torna inclusivo, quando a gente disponibiliza a história para professores e alunos para que eles comentem e participem antes de ele ser editado em tinta, como fiz com o IPC [Instituto de Cegos Padre Chico, na foto]. Os alunos ouviram em sala de aula, interpretaram o texto e opinaram sobre ele, e eu publiquei os comentários deles nas contracapas, uma forma de incentivar leitores críticos e participativos e não meros consumidores de informação.

Marcus - Seus livros costumam interessar mais a que faixa de idade?

Gisele – Os livros são bem ilustrados, em estilo HQ, pelo desenhista José Carlos Mecchi, para facilitar o entendimento dos pequenos, mas são livros de texto. Então a gente pressupõe que são para crianças que já iniciaram o processo de aprendizado da leitura, por volta dos 6, 7 anos de idade. Mas eu já vendi livros até para bebês. É um prazer autografar um livro para um bebê. Há pais zelosos, que começam a montar a biblioteca dos filhos desde muito cedo. O livro espera. Nós envelhecemos, mas o livro ficará lá, na estante, a espera do leitor. Como eu tenho até hoje, na minha, "Reinações de Narizinho", o primeiro livro que li, um presente do papai.

Marcus – Você não tem deficiência visual e faz livros em braile e áudio porque se sensibiliza com a questão da acessibilidade do deficiente visual?

Gisele – O escritor Monteiro Lobato dizia que um país se faz com homens e livros. Eu acrescento que se faz também com pessoas com espírito público e voluntariosas. Não devemos esperar passar pelo problema para se preocupar com ele, como ocorre com grande parte das Ongs e entidades de assistência, criadas a partir de perdas e dramas particulares. Devemos pensar que todos nós estamos sujeitos a ficar privados da visão ou dos movimentos, em decorrência de uma doença, de um acidente ou mesmo pelo envelhecimento. Então, porque não dar um passo a mais e fazer?

Marcus – Neivam, o que você conta sobre os livros da Gisele?

Neivam – São histórias bacanas, voltadas ao público infantil, com facilidade de entendimento. E liberar a imaginação da criança para aquelas que não podem ver e sentir o que é um cãozinho, o mar, é um passo importante à valorização do ser humano.

Pergunta do ouvinte André (Betim – MG) - O que acha do preconceito da sociedade contra pessoas com visão subnormal? É maior que o preconceito contra cegos?

Marcus – Antes de passar a bola à Gisele, quero dizer ao ouvinte que leio em corpo 36 porque tenho visão subnormal. Penso que todo processo político é conquistado passo a passo. Estão longe do que gostaríamos mas, mais rápido do que imaginávamos há 20 anos. É preciso se unir aos outros e às pessoas sensíveis como Gisele, para resolver.

Gisele – A exclusão é inerente ao reino animal e o homem faz parte dele. Ocorre que Deus nos dotou de raciocínio e sensibilidade para que fujamos do instinto animal exclusivo, por meio do qual impera a lei do mais forte. É importante exercitar essa sensibilidade. O leitor do Quintal, com visão subnormal, integra 14,47% da população brasileira, segundo o IBGE. O leitor cego é 0,96%. Então há mais leitores com visão subnormal, quase 15% da população com alguma deficiência. A sociedade tem que discutir mais essa questão para diminuir a distância por meio de ações inclusivas.

Durante a entrevista, foi citado o cegos@grupos.com.br, grupo de discussão na web, moderado pelo radialista cego Jean Shultz, âncora do programa Domingo Especial, da Rádio Gazeta de Florianóplis (SC).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço pela sua presença. Abraço meu, Gisele