23/07/2007

TIRADENTES

RESPEITO POR UM HERÓI BRASILEIRO

Sergio Amaral Silva *

Decepcionou-me sobremaneira o texto de Roberto Pompeu de Toledo "Joaquim José, um brasileiro", na revista VEJA datada de 25 de abril de 2007, que circulou no dia do 215º aniversário do assassinato do Mártir da Inconfidência. Toledo começa com a desrespeitosa dúvida se o herói era um "revolucionário consistente" ou um "bobo boquirroto" que pregava a República até às prostitutas. Reduzindo-se o episódio da fala às mulheres conhecidas como "Pilatas" a essa pequena dimensão, perde-se seu sentido maior, capaz de dirimir inclusive a suposta incerteza do articulista.
Cecília Meireles, nos versos do Romance XXXI de seu "Romanceiro da Inconfidência", contribui para esclarecer a questão: "Por aqui passava um homem/- e o povo todo se ria./"Liberdade, ainda que tarde"/ nos prometia." Ou seja, revolucionário consistente, responsável por angariar mais simpatizantes para o movimento sedicioso e o novo regime que ele instauraria, pregava ao povo todo, a quem se dispusessem a ouvi-lo, corajosamente, sem discriminar. Passa então a analisar as três razões do "triunfo póstumo" de Tiradentes. Logo na primeira, chama a atenção a associação de seu nome com o conceito de "herói para personificar os valores que o regime militar (de 1964) pretendia representar". Ainda que se deduza que a iniciativa foi exclusivamente dos militares, a simples menção merece ser corrigida, pela gravidade do que insinua. Pior porque associada mais uma vez à dubiedade de que "como não se sabe direito quem ele foi, virou figura fácil de ser puxada para este ou aquele lado". Para que o articulista usasse seu espaço privilegiado para informar corretamente o leitor e não confundi-lo com essa pretensa neutralidade, seria preciso explicitar: "Sabe-se que Tiradentes foi um brasileiro definitivamente comprometido com a Liberdade de sua Pátria e nem sua ideologia nem sua prática política tinham qualquer semelhança com as do regime autoritário implantado em 1964. Apesar disso, aquele regime tentou se apropriar de parte do prestígio popular do alferes, convertendo-o em Patrono Cívico da Nação Brasileira". Discorrendo sobre a segunda razão, de natureza geográfica, já quase na metade do texto, o articulista revela enfim sua fonte, na qual o trabalho foi, em suas próprias palavras, "fortemente baseado". Embora Toledo não mencione essa data, trata-se de livro de um historiador, publicado há dezessete anos. Uma questão, portanto, se impõe: onde estaria a originalidade dessa resenha tão tardia ? As tentativas de ''enquadrar" o Tiradentes através de comparações com modelos existentes, ainda que inadequadas,se sucedem: Frei Caneca, Bento Gonçalves, Antônio Conselheiro, Padre Cícero. Porém, Toledo desperdiçou a oportunidade e não disse o essencial sobre o alferes: Que os inconfidentes tinham combinado que, caso fossem presos, negariam tudo. Seguiram essa estratégia, inclusive Tiradentes, em seus quatro primeiros interrogatórios. Joaquim José, porém, percebeu que, atuando como propagandista das idéias de liberdade, se expusera muito. Principalmente num processo em que não havia acusações documentais, mas só testemunhos verbais, para ele a condenação seria inevitável. E para o crime de lesa-majestade como a inconfidência, só existia uma pena: a de morte.Tomou então a decisão que o engrandeceria e tornaria imortal perante a História, fazendo dele o único brasileiro cuja data de morte é feriado nacional. E já no quinto interrogatório assumiu sozinho a culpa, na tentativa de convencer os juízes de que só ele conspirara, e assim, livrar os demais. Teria dito na ocasião a famosa frase: "Se dez vidas eu tivesse, todas elas eu daria." Essa é a verdadeira imagem do brasileiro Joaquim José da Silva Xavier, de quem disse seu confessor, o Frei Raimundo de Penaforte: "Se houvesse mais alguns como ele..." Infelizmente, não há. Por isso vivemos estes tempos escuros, em que a roubalheira dos dinheiros públicos, a total falta de solidariedade e respeito, de amor pelo Brasil, a covardia, campeiam. Roberto Pompeu de Toledo cometeu um erro gravissimo. Cunhando epítetos pretensamente irônicos (na verdade, acintosos) como "Macunaíma dos bordéis" ou "adepto falastrão", optou por reproduzir teses de 1990, já exaustivamente debatidas. Com isso, fez com que um importante veículo de nossa imprensa trocasse a possibilidade de divulgar valores tão escassos no Brasil de hoje por um texto, para dizer o mínimo, medíocre. Indiquem-me um brasileiro que tenha oferecido deliberadamente a própria vida para salvar a dos companheiros de ideais e que tenha com isso granjeado o amor de seu povo, e teremos outro candidato ao posto de herói supremo desta (pobre) nação.

(*) Sergio Amaral Silva é jornalista e escritor, ganhador do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.

Ilustração: A leitura da sentença de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), de Eduardo Sá, em óleo sobre tela.

8 comentários:

  1. Parabéns ao dr. Sergio Amaral Silva, pelo seu repúdio ao articulista Roberto Pompeu de Toledo e a respeito da forma como ele tratou na sua página de Veja a memória do Tiradentes.
    Temos de desfazer algumas idéias errôneas e preconceituosas a respeito do Patrono Cívico desta Nação.

    Escrevi uma carta repudiosa para a redação da Revista Veja quando Toledo, em artigo publicado na página 134 da revista Veja (edição 2005, ano 40 – nº. 16, de 25 de abril de 2007), escreveu que “nunca ficará clara a exata importância do papel desempenhado por Joaquim José da Silva Xavier na Inconfidência Mineira” e que “nunca ficou claro se ele era um revolucionário ou um bobo...”. A carta - como já era de se esperar - não foi publicada...

    É nosso dever esclarecer que o Tiradentes não foi “um bobo boquirroto, que nos bordéis oferecia às prostitutas lugares de destaque na república que pretendia construir”?

    Temos de parar com esta "mania nacional" de desmerecer nossos heróis. Precisamos desfazer a idéia dos que, como Roberto pompeu de Toledo, acham que “Joaquim José da Silva Xavier cumpre uma trajetória que vai de um Macunaíma dos bordéis a um místico que, pelo martírio, supera o Conselheiro ou o padre Cícero”?

    Quem sabe o Tiradentes, a partir do seu perfil de estadista bem traçado por dra. Isolde Helena Brans, não deixaria de ser considerado apenas um “adepto falastrão de um movimento contestatório” e uma pessoa “que fazia bico como hábil arrancador de dentes”, como escreveu no infeliz artigo o sr. Roberto Pompeu de Toledo?

    José Antônio de Ávila Sacramento
    (Presidente do IHG de São João del-Rei, terra natal do Tiradentes)

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  2. É meu caro, Joseph Campbell sabia que uma nação que desdenha seus mitos e cultua anti-heróis está fadada à ruína. Eu citei Toledo há pouco em meu orkut... não sabia q ele proferiu coisas tão pequenas como o texto q citou. Lamento profundamente. Porém, não me espanta, haja vista o veículo que o divulgou. Esta revista- que nem gasto meus dedos para escrever o nome, já caiu no meu conceito há muito. Aliás todos sabemos o q está por trás de toda mídia... Grata por suas sábias palavras. Já o admirava pelo q minha mãe conta a seu respeito. Agora, então, sei que porta algo raro: a mistura do conhecimento e da sabedoria. Minha sincera reverência.

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  3. Sergio, parabéns mais uma vez.
    Neste país onde se faz piada de tudo e onde se denigre as maiores personalidades, é de ver-se alguém sair em defesa da verdade.
    Quando Tarquínio José Barbosa de Oliveira, o maior conhecedor da Inconfidência Mineira, fala no seu Autos da Devassa sobre o alferes, o faz com muita propriedade. mostrando a importância dele no evento e sua atuação inigualável.
    Quando fala do dr. Tomás Antônio Gonzaga o chama de "pimpinela escarlate", e fala dos seus conhecimentos sobre alveitaria, guerra de Saxe e outros.
    Tem muita gente que sai com artigos denegrindo a figura do proto-mártir, mas eles resvalam na própria insignificância.
    Alguém que deu sua vida pelos companheiros, tem que receber, pelo menos, o mínimo de respeito.
    Que se estude os onze interrogatórios de Tiradentes. Parabéns a voce pela análise do conteúdo do texto a que se reporta, com sua capacidade e ombridade.

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  4. Ainda bem que neste país existem homens como você meu caro Sr. Sérgio Amaral. Que sem medo se faz ouvir com louvor, mostra que não podemos deixar de "reverenciar" a vida e imagem de um brasileiro de valor como Tiradentes.
    Parabéns meu amigo por mais esse "grito" que ecoa. Quero junto a você e todos que aqui traçam seus comentários fazer parte desse coro.
    Não podemos permitir que denigram nossa história, nossa cultura.
    É nosso dever preservá-la e com isso traçarmos bases sólidas para a construção de nosso presente e futuro como cidadãos.
    Nosso Brasil que vive tempos tão tristes, com valores morais, sociais deturpados não pode assim continuar.
    Valorizar nossa história, conhecê-la e traçar metas de trabalhos em todas as áreas de nosso país é fundamental para mudar o rumo de nossa nação.
    Parabéns meu amigo pelo conhecimento e palavras tão bem colocadas.
    Um forte abraço

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  5. Anônimo1/8/07 21:32

    Caro Sérgio,
    Louvo sua atitude de analisar criticamente e denunciar o modo como nobres figuras da história brasileira, muitas das vezes, têem a imagem denegrida de maneira torpe em reportagens mal intencionadas.
    Num país como o nosso, em que a ausencia de referencial cívico a cada dia torna-se maior, os poucos "heróis do passado" são fundamentais para estimular uma verdadeira busca por uma sociedade mais justa e digna para todos!!!
    Parabéns!!! Adorei seu texto!!!
    Um forte abraço.

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  6. Anônimo2/8/07 23:17

    De fato, Sérgio, poucas nações podem se orgulhar de ter um herói tão digno quanto Tiradentes, que, enquanto os demais conjurados desdiziam-se e se auto-incriminavam, manteve-se íntegro, assumindo toda a responsabilidade pela ação.

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  7. Tiradentes, herói?
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    Tiradentes nunca foi herói e muito menos herói brasileiro. Esse infame traidor da coroa queria a liberdade só para Minas Gerais.
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    Se dependesse dele, o Brasil seria como o restante da América Latina: dezenas de pequenas repúblicas divididas e pobres.
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    Herói é alguém honrado, capaz de enfrentar a morte pelas causas nobres. Herói é alguém leal, a exemplo do Marquês de Tamandaré.
    Consulte: http://www.monarquia.org.br/NOVO/Pdf/HP20-B-WEB.pdf
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    Tiradentes não se sacrificou. Foi condenado a morte justamente pelo crime de alta traição. E convenhamos: para a época, ele foi julgado com muita benevolência.
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    Se isso acontecesse em outro país "civilizado" da época, Tiradentes teria sido executado sem ter a chance de explicar o que fez.
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    Pelo contrário, aqui ele recebeu o devido processo legal, mesmo estando numa colônia das américas. O procedimento judicial de apuração durou anos.
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    O alferes ainda recebeu o benefício de ser enforcado antes de sofrer o esquartejamento. Em outros países não teria essa regalia.
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    É muito fácil acusar Del Rey de crueldade e proclamar Tiradentes um herói. Principalmente, quando vivemos numa república, fruto de um golpe militar promovido por outro traidor: o Marechal Deodoro Da Fonseca.
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    São mais de 118 anos no qual a república tenta criar a imagem de um "herói" cujo "grande mérito" era querer dividir o Brasil, através do ardil da alta traição. E esse crime foi especialmente grave porque esse alferes jurou Diante de Deus que defenderia Del Rey com a própria morte isso se fosse preciso...
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    Tiradentes só poderia ser considerado herói numa república como a brasileira na qual a traição, a dissimulação e a quebra de juramentos faz de um vilão um herói nacional.
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    Sebastião Fabiano Pinto Marques
    sebastiao.marques@yahoo.com.br
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    Tiradentes
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  8. Tiradentes, herói?

    Tiradentes nunca foi herói e muito menos herói brasileiro. Esse infame traidor da coroa queria a liberdade só para Minas Gerais.

    Se dependesse dele, o Brasil seria como o restante da América Latina: dezenas de republiquetas divididas e pobres.

    Herói é alguém honrado, capaz de enfrentar a morte pelas causas nobres. Herói é alguém leal, a exemplo do Marquês de Tamandaré.
    Consulte: http://www.monarquia.org.br/NOVO/Pdf/HP20-B-WEB.pdf

    Tiradentes não se sacrificou. Foi condenado à morte justamente pelo crime de alta traição. E convenhamos: para a época, ele foi julgado com muita benevolência.

    Se isso acontecesse em outro país civilizado da época, Tiradentes seria executado sem a chance de explicar o que fez. Pelo contrário, aqui ele recebeu o devido processo legal. Mesmo estando numa colônia das américas. O procedimento judicial de apuração durou anos. O alferes ainda recebeu o benefício da forca antes de sofrer o esquartejamento. Em outros países não teria essa regalia.

    É muito fácil acusar Del Rey de crueldade e proclamar Tiradentes um herói. Principalmente, quando vivemos numa república, fruto de um golpe militar promovido por outro traidor: o Marechal Deodoro Da Fonseca.

    São mais de 118 anos no qual a república tenta criar a imagem de um "herói" cujo "grande mérito" era querer dividir o Brasil, através do ardil da alta traição. Esse crime foi especialmente grave porque o alferes jurou Diante de Deus que defenderia Del Rey com a própria morte se isso fosse preciso...

    Tiradentes só poderia ser considerado herói numa república como a brasileira na qual a traição, a dissimulação e a quebra de juramentos faz de um vilão um herói nacional.

    Sebastião Fabiano Pinto Marques
    sebastiao.marques@yahoo.com.br
    ]São João Del Rei - MG

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Agradeço pela sua presença. Abraço meu, Gisele