24/07/2014

Menos um vaga-lume: partiu Ariano Suassuna

No final da década de 70, a colega de escola Sonia Maria me abordou eufórica, no intervalo entre uma aula e outra, com uma papelada em suas mãos dramáticas. Era o “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna (1927-2014). Queria de todo modo organizar um grupo de leitura e dramatização daquele texto teatral mais conhecido da obra de Suassuna, que morreu ontem.
Filha de alagoano que sou, acordei adolescente para a linguagem e personagens nordestinos com o cordel, literatura de rimas, em linguagem oral, acompanhada de instrumento de cordas, como o violão. Também se apresenta impressa em folhetos simples, presos como roupas em varal de barbante nas feiras ou locais de reuniões populares e grupos de ativistas.
Entre os personagens do “Auto da Compadecida” há um Jesus Cristo de pele negra. Nada conservador para o ano de 1955, quando a obra foi lançada, mesmo ano em que João Cabral de Melo Neto (1920-1999), outro grande expoente da literatura brasileira, lançava “Morte e Vida Severina”. Também para a década de 70 chamava a atenção do grupo de leitura a visão de Suassuna sobre a imagem do Cristo. Sonia Maria, a Soninha, não conseguiu agrupar os colegas por muito tempo na defesa daquela peça teatral. Negros e nordestinos, uma combinação sempre polêmica na eterna luta de classes.
Serei sempre grata a essa genial colega de escola por ter sido apresentada à obra deste grande autor. Soninha prestou vestibular e foi uma das primeiras classificadas do ano de 1977 na Escola de Arte Dramática da Faculdade de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-EAD-USP) e também na Faculdade de Física da USP. Desapareceu em 1978 e nunca mais soube dela. Uma vaga-lume que brilhou, se esforçou muito, mas não conseguiu concluir a sua missão. Nem mesmo ela conhecia a intensidade do seu brilho e inteligência. Ficou a lembrança do sotaque carioca, a pele branca, contrastando com os longos cabelos pretos, e o jeito hippie de ser.
Julho de 2014 ficará marcado pela perda de craques em muitas áreas, entre eles Plínio Sampaio, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna. Perdas também para a humanidade, que assiste ao massacre de inocentes na eterna guerra entre Israel e o povo Palestino.

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