Conte sua história de São Paulo, Editora Globo. Coletânea de crônicas dos ouvintes do Programa CBN São Paulo, organizadas pelo radialista e âncora Milton Jung. O lançamento aconteceu em 28/11/06, na Livraria Cultura - avenida Paulista.
Foto-legenda: Gisele, aos 7 anos. Festa junina no então 2º Grupo Escolar de Osasco (SP). Convite do lançamento.
A bendita enfermeira Benedita
Por Gisele Pecchio Dias
A minha história começou na Maternidade de São Paulo, na mais fria noite de São João que os meus pais enfrentaram na Capital. Eles me contaram que naquela noite, no mesmo instante em que eu vim ao mundo, um balão com a tocha ainda acesa caiu no quintal da casa onde morávamos, na rua Albuquerque Lins, Barra Funda.
No mesmo instante em que o balãozinho de São João pousava manso sobre o piso gelado do quintal da nossa casa, nascia uma menina gorducha, cabeluda e muito chorona, que não cabia na caixinha do berçário, caixinha essa onde os bebês são colocados feito uns pãezinhos, um ao lado do outro, quando nascem.
Passados 17 anos, desde o meu nascimento, voltei à rua Frei Caneca para estudar no Colégio Etapa. Passava todas as manhãs pela calçada da Maternidade de São Paulo, onde testemunhei os passos largos e apressados de seu exército de médicos e enfermeiros, com suas roupas sempre alvas.
Num daqueles dias, sentou-se ao meu lado, no ônibus, a enfermeira Benedita. Ela achou bonito o meu sorriso e os meus cabelos e pôs-se a conversar comigo. Durante a conversa, uma revelação que jamais esquecerei: Benedita era uma das enfermeiras que assistiu ao meu parto. Ela lembrou-se do nome da mamãe, que se chama Fany Pecchio, e de uma particularidade: eu era gorducha, tinha cabelos negros e densos e não cabia na caixinha do berçário. Disse-me que sugeriu à minha mãe que eu me chamasse Joana, por ter nascido naquela noite especial, de São João. Mas meus pais resolveram que seria Gisele o meu nome.
Antes de saltar do ônibus, a enfermeira Benedita tirou uma aliança de prata de um dos dedos da mão esquerda e deu-me como lembrança. Jamais esqueci do olhar e das mãos daquela anciã que me trouxe ao mundo. Jamais deixarei de me emocionar quando caminhar pela rua Frei Caneca e me lembrar que a minha história com São Paulo começou ali, em 24 de junho de 1959, numa das salas de parto da Maternidade de São Paulo, onde nasceram ricos e pobres, de muitas gerações, em igualdade de condições que hoje já não mais há na Medicina. Nem a Maternidade de São Paulo existe mais. Ela estaria hoje com 112 anos se não tivesse falido após longa agonia, sem qualquer socorro por parte daqueles que trouxe ao mundo, entre eles grandes empresários e políticos. Seu prédio será sepultado para sempre e no terreno onde nasceram tantos deverá ser erguido mais um espigão de concreto. Conte sua história de São Paulo, Editora Globo, capítulo I, pág. 35
(*) Gisele Pecchio Dias é jornalista e escritora infantil, autora da Coleção Toby – Livros Acessíveis.
Foto-legenda: Gisele, aos 7 anos. Festa junina no então 2º Grupo Escolar de Osasco (SP). Convite do lançamento.
A bendita enfermeira Benedita
Por Gisele Pecchio Dias
A minha história começou na Maternidade de São Paulo, na mais fria noite de São João que os meus pais enfrentaram na Capital. Eles me contaram que naquela noite, no mesmo instante em que eu vim ao mundo, um balão com a tocha ainda acesa caiu no quintal da casa onde morávamos, na rua Albuquerque Lins, Barra Funda.
No mesmo instante em que o balãozinho de São João pousava manso sobre o piso gelado do quintal da nossa casa, nascia uma menina gorducha, cabeluda e muito chorona, que não cabia na caixinha do berçário, caixinha essa onde os bebês são colocados feito uns pãezinhos, um ao lado do outro, quando nascem.
Passados 17 anos, desde o meu nascimento, voltei à rua Frei Caneca para estudar no Colégio Etapa. Passava todas as manhãs pela calçada da Maternidade de São Paulo, onde testemunhei os passos largos e apressados de seu exército de médicos e enfermeiros, com suas roupas sempre alvas.
Num daqueles dias, sentou-se ao meu lado, no ônibus, a enfermeira Benedita. Ela achou bonito o meu sorriso e os meus cabelos e pôs-se a conversar comigo. Durante a conversa, uma revelação que jamais esquecerei: Benedita era uma das enfermeiras que assistiu ao meu parto. Ela lembrou-se do nome da mamãe, que se chama Fany Pecchio, e de uma particularidade: eu era gorducha, tinha cabelos negros e densos e não cabia na caixinha do berçário. Disse-me que sugeriu à minha mãe que eu me chamasse Joana, por ter nascido naquela noite especial, de São João. Mas meus pais resolveram que seria Gisele o meu nome.
Antes de saltar do ônibus, a enfermeira Benedita tirou uma aliança de prata de um dos dedos da mão esquerda e deu-me como lembrança. Jamais esqueci do olhar e das mãos daquela anciã que me trouxe ao mundo. Jamais deixarei de me emocionar quando caminhar pela rua Frei Caneca e me lembrar que a minha história com São Paulo começou ali, em 24 de junho de 1959, numa das salas de parto da Maternidade de São Paulo, onde nasceram ricos e pobres, de muitas gerações, em igualdade de condições que hoje já não mais há na Medicina. Nem a Maternidade de São Paulo existe mais. Ela estaria hoje com 112 anos se não tivesse falido após longa agonia, sem qualquer socorro por parte daqueles que trouxe ao mundo, entre eles grandes empresários e políticos. Seu prédio será sepultado para sempre e no terreno onde nasceram tantos deverá ser erguido mais um espigão de concreto. Conte sua história de São Paulo, Editora Globo, capítulo I, pág. 35
(*) Gisele Pecchio Dias é jornalista e escritora infantil, autora da Coleção Toby – Livros Acessíveis.
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